Efetuamos, neste artigo, uma releitura de antigos  trabalhos sobre Datiloscopia e Papiloscopia, objetivando dissipar a névoa que encobre a questão do número de pontos característicos necessários à obtenção de uma positiva de identidade.
A RESPEITO DO NÚMERO DE PONTOS CARACTERÍSTICOS NECESSÁRIOS À AFIRMATIVA DE IDENTIDADE

Mallmith, Décio de Moura [1]

Departamento de Criminalística, Instituto-Geral de Perícias – SJS, Porto Alegre/RS


1 – Introdução

             Em Papiloscopia e Datiloscopia é corrente a utilização de doze pontos característicos para se afirmar que determinada impressão digital, ou fragmento dela, pertence a certo indivíduo. Esta aparente invariabilidade dos doze pontos característicos sempre nos pareceu duvidosa, o que nos levou a buscar os fatores que firmaram esta crença entre nós.

           Nesta busca, deparamo-nos com um trabalho realizado pelo Perito Roberto Thunt, denominado “Das razões pelas quais uma impressão digital isolada, mesmo incompleta, é suficiente para estabelecer a identidade. Do valor da prova Dactiloscópica.”, inserido na publicação “Arquivos da Polícia Civil de São Paulo”. O Dr. Thunt, utilizando uma demonstração de seu colega, Dr. Edmur de Aguiar Whitaker, expõe, demonstra e atualiza os cálculos primeiramente implementados pelo Victor Balthazard (1872 - 1950), professor de medicina forense da Université Sorbonne (Paris – França).
            Neste artigo, pretendemos efetuar uma releitura do trabalho do Dr. Thunt, objetivando dissipar a névoa que encobre a questão do número de pontos característicos necessários à obtenção de uma positiva de identidade.

2 – A fórmula utilizada por Balthazard

            O trabalho de Balthazard, como também as ulteriores demonstrações do Dr. Whitaker e do Dr. Thunt, parte das seguintes premissas:

            1o – Considera que os pontos característicos distribuem-se de forma aleatória pela estampa digital.
2o – Considera quatro espécies de pontos característicos: bifurcação, que se dirige da esquerda para a direita e da direita para a esquerda; princípio de linha, com as mesmas direções.
            3o – Fixa a quantidade média de cem pontos característicos para um datilograma, dividido-o, imaginariamente, em cem quadrículos uniformes e situando cada um dos pontos característicos num destes quadrículos.

            Os termos originalmente utilizados pelo autor diferem ligeiramente dos empregados por nós, senão, vejamos, a bifurcação que se dirige da esquerda para a direita e da direita para a esquerda e o princípio de linha, com as mesmas direções, correspondem, nesta ordem, a bifurcação, a confluência, ao início de linha e ao fim de linha.
A escolha específica destas quatro espécies de pontos característicos, embora pareça arbitrária, justifica-se por dois fatores:
·       Os tipos de pontos característicos escolhidos são os mais freqüentes nos datilogramas;
·       A maior parte dos demais tipos de pontos característicos podem ser expressos como uma combinação dos pontos característicos escolhidos.

            O processo de Balthazard, basicamente, considera o tipo de ponto característico e a sua localização na impressão digital. Assim, examinado-se um único quadrículo e se nele existir um único ponto característico, então, relativamente a este quadrículo, poderemos ter 4 impressões digitais distintas: uma que possui uma bifurcação, uma que tem uma confluência, uma que possui um início de linha e uma que tem um fim de linha.

            Agora, se considerarmos dois quadrículos, sabendo-se que isoladamente cada um deles pode gerar 4 impressões digitais diferentes, teremos, combinando ambos, 4 X 4 = 16 impressões digitais distintas. Considerando-se três quadrículos, obteremos 16 X 4 = 64 possibilidades de diferentes datilogramas. O mesmo procedimento repete-se até abranger todos os cem quadrículos.
Denominando-se a quantidade de possíveis impressões digitais distintas de “n”, o número de tipos de pontos característicos diferentes considerados de “p” e a quantidade de quadrículos abrangidos de “i”, chegamos à expressão:

n = p (exp i)                                                   (1)

            Deste modo, considerando-se todos os cem quadrículos, teremos n = 4 (exp 100) = 1,61 X 10 (exp 60) possíveis impressões digitais diferentes. Frisa-se que o resultado obtido está expresso em notação científica por se tratar de um número gigantesco, sendo inapropriado grafa-lo da forma convencional. Observa-se, também que tal número encontra-se muito além da nossa capacidade de avaliar quantidades.
            Pelos cálculos apresentados, só haverá probabilidade de encontrarmos duas impressões digitais com todos os pontos característicos coincidentes, tanto no que se refere ao tipo de ponto característico, quanto no que diz respeito à sua localização, se considerarmos um conjunto que contenha mais do que 1,61 X 10 (exp 60) impressões digitais. Na prática, trata-se de uma impossibilidade matemática, haja vista que o número de elementos que deveriam compor o universo de pesquisa é tão grande que supera os desenhos digitais existentes nos dedos das mãos de todos os habitantes do nosso planeta por um fator de 10(exp 49)!

3 – Aplicação da fórmula aos fragmentos de impressões papilares

            Quando dispomos de apenas um fragmento de impressão digital, a questão assume outros contornos lógicos, embora a abordagem matemática faça uso da mesma fórmula (1) explicitada na seção anterior.
Neste caso, desejamos determinar a quantidade de pontos característicos mínimos que deve possuir um fragmento papilar para que NÃO exista a probabilidade de se encontrar mais de uma impressão digital, num conjunto dado, com pontos característicos coincidentes aos do fragmento pesquisado. O termo “coincidente” refere-se, neste contexto, àqueles pontos característicos que, além de serem do mesmo tipo, ocupam a mesma posição relativamente ao todo considerado.
            Relendo a questão pelo prisma matemático, procuramos o termo “i”, a quantidade de pontos característicos coincidentes, existentes num dado conjunto de “n” impressões digitais, considerando-se “p” tipos de pontos característicos distintos. Conhecemos “n”, que nada mais é do que o total de habitantes multiplicado por dez, número de dedos que normalmente as pessoas possuem em ambas as mãos, bem como, sabemos o valor de “p”, fixado em 4, basta-nos, portanto, explicitarmos a variável “i” para resolver o problema. Para tanto, faz-se necessário efetuarmos algumas transformações na fórmula (1), conforme se segue:

n = p (exp i) à log n = log p (exp i) à log n = i log p     Assim:  i = log n/log p   (2)

            Considerando-se a população mundial atual, cerca de 6.537.000.000 habitantes, conforme estimativa do Escritório do Censo dos EUA para meados do mês de setembro de 2006, teremos:

n = 6.537.000.000 X 10 = 65.370.000.000 = 6,537 X 10 (exp 10) habitantes
p = 4
i = ?

            Aplicando-se estes dados à expressão (2), obtemos:

i = (log 6,537 X 10 (exp 10)) / (log 4) = 17,964 pontos característicos coincidentes.

           Como os pontos característicos, pelo viés probabilístico, são entes discretos, ou seja, não admitem a forma fracionária, assumimos “i”, por aproximação, como sendo igual a 18 pontos característicos coincidentes.
Portanto, a certeza matemática de que um dado fragmento de impressão papilar é parte integrante de determinada impressão digital somente é obtida, atualmente, se entre ambos existir pelo menos 18 pontos característicos coincidentes. Subsidiariamente, entre eles não pode haver, ainda, nenhum ponto característico discordante.


4 – Considerações finais

           Rápida leitura do exposto mostra-nos que em nenhum momento foi fixada a quantia de doze pontos característicos coincidentes como sendo imprescindível para a obtenção de uma positiva de identidade. Tal fixação resulta de grosseira generalização, originária de um cálculo, diga-se de passagem, correto, realizado em determinada época e considerando a população de nosso planeta naquela data. Convém salientar, também, que no artigo do Dr. Thut, em momento algum, há menção a um número fixo de doze pontos característicos.
            Desprende-se do texto, pelo contrário, que o número de pontos característicos coincidentes necessários à afirmativa de identidade é diretamente proporcional quantidade de impressões digitais consideradas, e inversamente proporcional ao número de tipos de pontos característicos diferentes levados em conta. Nesta perspectiva, se agruparmos aos tipos de pontos característicos considerados um de seus outros tipos menos freqüentes, como, por exemplo, um empalme, uma corta ou um encerro, poderemos baixar sensivelmente o número de pontos característicos coincidentes necessários para uma positiva de identidade. Por outro lado, se restringirmos o conjunto de impressões digitais pesquisadas, como, por exemplo, considerando-se apenas os habitantes do nosso país, do nosso Estado ou da nossa cidade, também é possível chegarmos a uma positiva de identidade com um número menor de pontos característicos coincidentes.
            É fácil verificar, ainda, que, como o tempo está intimamente atrelado ao crescimento demográfico e este diretamente relacionado à quantidade de impressões digitais passíveis de comporem nosso conjunto de pesquisada, uma “POSITIVA” dada, por exemplo, há uns trinta anos atrás, estará sujeita hoje a não ter o aval da matemática e, conseqüentemente, como prova material, poderá não surtir os efeitos jurídicos que antes produziu. Assim, uma afirmativa de identidade só é válida em sua própria época!
              Salientamos, também, que os cálculos apresentados alicerçaram-se somente nos pontos característicos, desconsiderando outros fatores relevantes da prática papiloscópica, como a classificação fundamental do sistema Vucetich, a chave classificatória de subtipos, a albodatiloscopia e estudos inerentes a poroscopia, entre outros. Claro que estes fatores, combinados à abordagem via pontos característicos, resultará numa significativa redução do número de pontos característicos necessários a uma positiva de identidade. Deve-se, por esta razão, analisar-se individualmente cada caso, sem conceitos pré-estabelecidos.
            O assunto, por instigante, suscita interpretações diversas, não ousamos e nem pretendemos, por este motivo, abrange-lo de forma definitiva neste artigo. Pelo contrário, estamos abertos a comentários, sugestões, dúvidas e críticas, sejam elas construtivas ou não.

Bibliografia

MALLMITH, D.M. A Respeito do Número de Pontos Característicos Necessários à Afirmativa de Identidade  in Boletim Informativo da Associação dos Papiloscopista do Rio Grande do Sul. Ano 1, no 4, Julho/Agosto, 1987.

THUNT, R. Das Razões pelas quais uma Impressão Digital Isolada, Mesmo Incompleta, é Suficiente para Estabelecer a Identidade. Do Valor da Prova Dactiloscópica in Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. São Paulo: s/d.

[1] Ex-Papiloscopista. Perito Criminalístico do Departamento de Criminalística do Instituto-Geral de Perícias – SJS/RS. Físico. Especialista em Psicopedagogia. Mestre em Sensoriamento Remoto.

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